Rios, Pontes e Overdrives
{Recomenda-se ler [o post] e ouvir [a música] ao mesmo tempo}
"Porque no rio
tem pato comendo lama?/" - Diz-se que essa ideia foi tirada de uma
cena que Chico avistou no Rio Capibaribe, como não há "provas" sobre
isso, fica válido, então, o entendimento acerca dos próprios versos: a miséria.
- "Porque no rio tem pato comendo lama?/Porque no rio tem pato comendo
lama?" - E, fica claro, logo no começo da música, a sua concepção repetitiva.
"Rios, pontes, e overdrives - impressionantes
esculturas de lama!/Mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!/ - Recife é uma cidade toda cortada por rios e pontes; overdrives, que
antigamente se traduzia roda-livre, poderia aí ser
interpretado de várias formas: como ultrapassagem dos carros, como um mecanismo
que faz o carro manter uma velocidade estável enquanto diminui o consumo de
combustível, como um carro que tinha 5ª macha (que antigamente era raro), ou
até como um pedal de guitarra, que é usado para simular a saturação do
amplificador, ou seja, que é usado para criar distorções como se o som estivesse muito alto, algo
muito usado por Lúcio Maia em todo o Da Lama ao Caos. - "Rios,
pontes e overdrives - impressionantes esculturas de lama!/Mangue, mangue,
mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!"
Capa do Livro Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, de 1936. |
"E
a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo já voou, caiu lá no
calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e o molambo ficou lá!" - Mocambos são um espécie de barracos, ou moradias frágeis, que tem
origens africanas. - "Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo
tu..." - Molambo também é uma palavra de origem africana, e que significa farrapo, ou moribundo, indivíduos fracos em si. (Refrão)
Mapa de Bairros do Recife |
É macaxeira, Imbiribeira, Bom pastor, é o Ibura, Ipseb,
Torreão, Casa Amarela/Boa Viagem, Genipapo, Bonifácio, Santo Amaro, Madalena,
Boa Vista, Dois Irmãos/É Cais do porto, é Caxangá, é Brasilit, Beberibe, CDU,
Capibaribe, é o Centrão/Eu falei! - Claro que Chico não falou o nome de todos
os bairros do Recife, mas dos mais conhecidos, sim; além da homenagem, a
graça é tentar decorar todos esses versos com igual velocidade com que são cantados. (Refrão)
“E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo
já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e
o molambo ficou lá/Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu... – Nessa
estrofe, Chico assume a si mesmo, e a nós, como molambos, como todos sendo
cidadãos, não havendo diferença entre todos, sendo todos culpados e vítimas.
(Refrão)
Molambo
boa peça de pano pra se costurar mentira/Molambo boa peça de pano pra se
costurar miséria/Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira, mentira,
mentira/Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria, miséria, miséria.../
- Aqui fica claro o sentido de “farrapo” em molambo, e sua conotação social, já
que, além da miséria, o moribundo ainda tem que sofrer com as mentiras de quem
lhe faz promessas, de quem lhe vende esperança de uma vida melhor e não entrega
o produto. - Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu...
Mangroove!
– Nessa palavra Chico expressa, pela primeira vez, um grande detalhe do
manguebeat: em inglês, "man" significa "homem", e
"groove", como uma gíria, significa "ritmo", enquanto
"mangrove" é o nome que se dá as árvores típicas do mangue em inglês.
Então, essa simples palavra "mangroove" conceitua tudo que o
movimento mangue representa, sendo o indivíduo o "homem com ritmo", e
o seu meio sendo o "manguezal".
Um
requinte de trava-línguas, Rios,
Pontes e Overdrives,
é composta por pequenas doses da essência do mangue, e sua repetição é
configurada pela própria melodia. A música é uma grande parceria entre Chico e
Fred Zeroquatro, na verdade, esta música em si é originária de um texto que
Fred escreveu, e que tinha o mesmo título. Chico o pediu, e Fred cedeu a ele
com honra, não só lhe inspirando o título e a ideia, mas também lhe entregando
até o refrão da música: "impressionantes esculturas de lama, mangue, mangue,
mangue, mangue, mangue, mangue..." - O que há de mais verdadeiro aqui é
que Rios, Pontes e Overdrives, consegue dá aspectos
geográficos da cidade, dos seus bairros até as suas pontes, a música é sim uma
"homenagem" a cidade do Recife.
Agora, falando em "homenagem" a cidade do Recife, vamos para A Cidade!
Recife Antigo, à noite. |
Agora, falando em "homenagem" a cidade do Recife, vamos para A Cidade!
Victor Mauricio Borba
É um absurdo que uma explicação tão boa quanto essa não tenha um único comentário. Cara, muito obrigado pela explicação! Estava eu aqui pensando no sentido que Chico quis atribuir a palavra "Overdrive" e suas palavras caíram como uma luva sobre minha dúvidas. Muito obrigado.
ResponderExcluirMuito foda. OBG
ResponderExcluirObrigado pela explicação. Show
ResponderExcluirShow!
ResponderExcluirMuito bom saber tanta coisa de uma forma tão completa sobre essa importante e emblemática música do movimento manguebeat que Fred Zeroquatro escreveu e Chico Science soube como ninguém interpretar e imortalizar.
ResponderExcluirMuito foda!
ResponderExcluirSalve Chico Science!
ResponderExcluirBastante esclarecedor 👏👏👏👏👏
ResponderExcluirmuitoo bom!!
ResponderExcluirMuito bacana esta análise musical. Como seria a cena musical do Recife se Chico estivesse vivo ainda?
ResponderExcluir