sábado, 5 de abril de 2014

O Auto da Compadecida

Capa d'O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, de 1955.
"Não sei, só sei que foi assim!" - Baseada, ou copiada, por um cordel chamado O Testamento do Cachorro, que conta a história de um inglês que enterra o seu cão, membro ilustríssimo da família, e que pede ao padre para rezar pela alma do animal em latim, sendo que este só aceita quando o inglês fala de "valores" no "testamento", tanto para o padre quanto para o bispo: "Que animal inteligente! Que sentimento nobre!"; a peça O Auto da Compadecida é um símbolo da cultura nordestina, ou melhor, é um conjunto de símbolos caracterizado desde a fala até o comportamento regional.
 
Capa do Livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, de 1881. 
Como já falamos da origem, vamos à estrutura: bem, a peça tem uma formação "clássica", três atos, mas a presença de outro membro tradicional das peças, "O Palhaço", o narrador-presente da história, quebra não só a divisão dos atos, acelerando o ritmo dos acontecimentos, mas quebra a superfície teatral, a famosa quarta parede. Pois, em diversos momentos, os personagens "tiram as máscaras" e os próprios atores agem em cena, modificando até o cenário, que, para mim, é algo circense e até revolucionário,  revolucionário tal como Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra em que o autor-personagem "conversa" com o leitor.


Além da tenacidade estrutural, da representação nordestina "pura", a peça é altamente cômica, ela se apropria do linguajar matuto, da repetição de falas, de visões muito inesperadas sobre certas ações, além de ter traços medievais, e como Ariano é prepulsor do Movimento Armorial, também não poderia faltar alguma coisa disso. Ariano se mancomuna com o teatro religioso medieval, no qual o gênero mais utilizado era o "auto", porém as discussões filosóficas feitas por João Grilo e Manuel (Jesus) vão muito contra as antigas encenações, e imposições, da Igreja Católica.

Representação do Teatro Medieval.
Um auto é uma peça teatral que mostra um personagem que erra, tragicamente ou dramaticamente, e que acaba sendo salvo por alguma força divina, que o redime ou o ressuscita, dando-lhe mais uma chance. À Manuel, João Grilo chega a perguntar coisas do tipo: "Em que dia vai acontecer sua segunda ida ao mundo?" e "O Senhor é protestante?", criando grandes reflexões a cerca do teor religioso sobre a figura de Jesus e da própria fé cristã.

Cena do Filme O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, de 2000.
O filme produzido é muito fiel a peça, claro que há personagens que estão na peça e que não estão no filme, tal como vice-versa, pois o filme é um compilado de várias outras obras de Ariano. Falo do filme, pois é uma das poucas maneiras que o apreciador tem contato com a obra, isso porque, paradoxalmente, em qualquer grande livraria de Recife, aonde Ariano mora e são publicados primeiramente os seus textos, é dificílimo encontrar os escritos de Ariano, e ainda mais raro encontrá-los na internet.

O elemento circense permeia toda a obra de Ariano.
Por mim, desnecessário falar das mentiradas de Chicó, das cavalices de Antônio Moraes, das desculpas de Padre João, da safadeza da Mulher do Padeiro, e, dentre todos os outros, o mais importante, das embrulhadas de João Grilo... Já que são personagens lendários, feitos a partir caricaturas d'outros e de nós mesmo, sendo uma fonte inesgotável, um espelho do qual não nos cansamos de refletir...


Agora, com mais tantas prezepadas, e muito mais riqueza, vamos para O Santo e a Porca!


Victor Mauricio Borba


quinta-feira, 27 de março de 2014

Propagando o Eleitoral

Sinceramente, você discute sobre política? A maioria dos brasileiros só tenciona pensar sobre os políticos quando estes atrapalham sua programação na TV, ou então quando já estão de saco cheio de ouvirem aquela zuada dos carros de som na rua. Isso faz com que as eleições sejam marcadas pelo jeitinho brasileiro, decididas, quase que exclusivamente, no último minuto, ou no último voto, se preferirem.



A última pesquisa do IBOPE pode (com) provar tudo que estou dizendo: "Dilma tem 40% dos votos, Aécio 13%, Eduardo 6%, Everaldo 3%, Randolfe 1%, ... [os demais candidatos não conseguiram pontuar], e então: Brancos/Nulos 24%, e Não sabe/Não responderam 12%". - Isso quer dizer que, diante dessas pesquisas, 36% dos brasileiros não votariam ou não saberiam em quem votar, e isso em números reais são 72.371.777 brasileiros. É por causa de coisas do tipo: "Ah, cara, política? Isso é chato..." que mais de 72 milhões de brasileiros ainda não sabem, hoje, em quem votar nas próximas eleições, em quem escolher para representar o país, o país!

Capa do Livro O Príncipe, de Nicola Maquiavel, de 1532.
Eu fiquei um bom tempo me perguntando se colocaria esse post no Recado-tá-dado ou no Sinceramente, afinal um é sobre teses e outro crônicas, mas eu pensei em unir os dois... As pessoas se interessam por política? Sim, e muito! O problema é que cada um vive dentro dos seus colhões, ou ovos se soar menos agressivo, cada um acha que tal partido é o melhor, que tal partido fez mais... Espera, aí, vocês ainda não perceberam o quanto os políticos mudam de partidos? Os partidos não são as leis, os partidos são facções políticas, que servem de base para os políticos que fazem as leis terem ligações com outros, prestem mais atenção nas galinhas do que nos galinheiros...

No filme Tropa de Elite 2, de 2010, o Capitão Nascimento (Wagner Moura) passa a lutar não só contra os bandidos, mas também com os políticos corruptos do sistema. 
Gostei dessa analogia, vamos continuar com ela: o bom político não é aquele que cacareja mais alto, ou que bate as asas com mais voo, é aquele consegue maquinar de todas as formas para conseguir seus objetivos; e então começa os problemas... O povo acha que os objetivos do político são os objetivos do povo, balela! O objetivo do político é fazer coisas suficientes para que o povo o considere bom, e, com benevolência, o confirme na urna, e quando eu digo maquinar, quero dizer isso mesmo, o político tem que fazer de tudo para que consiga o que quer. 




Maquiavel disse que existem duas éticas, a ética humana, em que há um respeito com o próximo e com o bom, e a ética política, que é necessária, e, que em momentos cruciais pode vir a ser contrária a ética comum e até a moral. Mas, tal ética política não deve ser usada para alcançar o poder, mas sim para que com ele [o poder], o político possa maquinar tudo que sonha, ou deseja, para o povo, ou para si. Afinal, podemos viver num regime de democracia representativa, mas, nem sempre, por pura e plena consciência da nossa ignorância ante ao que podemos fazer, sabemos se o político que elegemos, ou não, está representando aos interesses dos seus ou dos dele.

Na série House of Cards, o inescrupuloso Frank Underwood (Kevin Spacey) cria todos os tipos de maquinações para tentar derrubar o presidente dos EUA.


Victor Mauricio Borba

Rios, Pontes e Overdrives

Rios, Pontes e Overdrives

{Recomenda-se ler [o post] e ouvir [a música] ao mesmo tempo}



"Porque no rio tem pato comendo lama?/" - Diz-se que essa ideia foi tirada de uma cena que Chico avistou no Rio Capibaribe, como não há "provas" sobre isso, fica válido, então, o entendimento acerca dos próprios versos: a miséria. - "Porque no rio tem pato comendo lama?/Porque no rio tem pato comendo lama?" - E, fica claro, logo no começo da música, a sua concepção repetitiva.


"Rios, pontes, e overdrives - impressionantes esculturas de lama!/Mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!/ - Recife é uma cidade toda cortada por rios e pontes; overdrives, que antigamente se traduzia roda-livre,  poderia aí ser interpretado de várias formas: como ultrapassagem dos carros, como um mecanismo que faz o carro manter uma velocidade estável enquanto diminui o consumo de combustível, como um carro que tinha 5ª macha (que antigamente era raro), ou até como um pedal de guitarra, que é usado para simular a saturação do amplificador, ou seja, que é usado para criar distorções como se o som estivesse muito alto, algo muito usado por Lúcio Maia em todo o Da Lama ao Caos. - "Rios, pontes e overdrives - impressionantes esculturas de lama!/Mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!"

Capa do Livro Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, de 1936. 
"E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e o molambo ficou lá!" - Mocambos são um espécie de barracos, ou moradias frágeis, que tem origens africanas. - "Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu..." - Molambo também é uma palavra de origem africana, e que significa farrapo, ou moribundo, indivíduos fracos em si. (Refrão)
Mapa de Bairros do Recife

É macaxeira, Imbiribeira, Bom pastor, é o Ibura, Ipseb, Torreão, Casa Amarela/Boa Viagem, Genipapo, Bonifácio, Santo Amaro, Madalena, Boa Vista, Dois Irmãos/É Cais do porto, é Caxangá, é Brasilit, Beberibe, CDU, Capibaribe, é o Centrão/Eu falei! - Claro que Chico não falou o nome de todos os bairros do Recife, mas dos mais conhecidos, sim; além da homenagem, a graça é tentar decorar todos esses versos com igual  velocidade com que são cantados. (Refrão)

“E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e o molambo ficou lá/Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu... – Nessa estrofe, Chico assume a si mesmo, e a nós, como molambos, como todos sendo cidadãos, não havendo diferença entre todos, sendo todos culpados e vítimas. (Refrão)

Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira/Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria/Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira, mentira, mentira/Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria, miséria, miséria.../ - Aqui fica claro o sentido de “farrapo” em molambo, e sua conotação social, já que, além da miséria, o moribundo ainda tem que sofrer com as mentiras de quem lhe faz promessas, de quem lhe vende esperança de uma vida melhor e não entrega o produto. - Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu...


Mangroove! – Nessa palavra Chico expressa, pela primeira vez, um grande detalhe do manguebeat: em inglês, "man" significa "homem", e "groove", como uma gíria, significa "ritmo", enquanto "mangrove" é o nome que se dá as árvores típicas do mangue em inglês. Então, essa simples palavra "mangroove" conceitua tudo que o movimento mangue representa, sendo o indivíduo o "homem com ritmo", e o seu meio sendo o "manguezal".


Um requinte de trava-línguas, Rios, Pontes e Overdrives, é composta por pequenas doses da essência do mangue, e sua repetição é configurada pela própria melodia. A música é uma grande parceria entre Chico e Fred Zeroquatro, na verdade, esta música em si é originária de um texto que Fred escreveu, e que tinha o mesmo título. Chico o pediu, e Fred cedeu a ele com honra, não só lhe inspirando o título e a ideia, mas também lhe entregando até o refrão da música: "impressionantes esculturas de lama, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue..." - O que há de mais verdadeiro aqui é que Rios, Pontes e Overdrives, consegue dá aspectos geográficos da cidade, dos seus bairros até as suas pontes, a música é sim uma "homenagem" a cidade do Recife.

Recife Antigo, à noite.



Agora, falando em "homenagem" a cidade do Recife, vamos para A Cidade!


Victor Mauricio Borba

Banditismo Por Uma Questão de Classe

Monólogo ao Pé do Ouvido + Banditismo por Uma Questão de Classe

{Recomenda-se ler [o post] e ouvir [a música] ao mesmo tempo}


"Há um tempo atrás se falava de bandidos/Há um tempo atrás se falava em solução/" - Logo nos primeiros versos, percebemos uma possível referência às promessas políticas, eleitorais, que nunca são concretizadas para o combate dos problemas sociais. - "Há um tempo atrás se falava em progresso/" - "Ordem e Progresso", lema do Brasil. - "Há um tempo atrás que eu via televisão." - Subentendidamente, uma crítica a mídia televisa.

"A política não se faz com discursos, festas populares e canções; ela faz-se apenas com sangue e ferro." (Otto von Bismarck)
"Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha/" - Galeguinho do Coque era um dos bandidos mais conhecidos na capital,  sua fama era devida aos seus assaltos seguidos de fugas espetaculares: quando Galeguinho entrava na Favela do Coque, periferia de Recife, a polícia não conseguia mais encontrá-lo. - "Não tinha medo da perna cabeluda/" - A perna cabeluda era uma lenda popular, urbana, sobre uma perna que assombrava as pessoas. - "Biu do Olho Verde fazia sexo, fazia/Fazia sexo com seu alicate/" - Reza a lenda que Biu do Olho Verde era um homem bonito, loiro e de olhos claros como o Galeguinho, e que, quando assaltava as mulheres, lhes dava uma escolha: - Quer levar tiro ou um beliscão? - Daí, as mulheres escolhiam a segunda opção, então ele puxava um alicate e apertava os bicos dos seios delas; quando estas mulheres reportavam os crimes na delegacia, diziam que ele tinha arrancado os mamilos delas, que as tinham estuprado, e etc, etc...

Capa do Cordel A Terrível História da Perna Cabeluda, de Guaipan Vieira, de 1998.
"Oi, sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela/A polícia atrás deles e eles no rabo dela/" - Aqui notasse um circulo vicioso, e infinito, como se os bandidos e os polícias girassem em círculos... - "Acontece hoje o que acontecia no sertão/quando um bando de macaco p erseguia Lampião/" - Macacos eram como eram apelidados, pelos cangaceiros, os policiais da Volante, e Lampião? Bem, vocês sabem... - "E o que ele falava muitos hoje ainda fala/"Eu carrego comigo: coragem, dinheiro, e bala!"/

Bando de Virgínio, que era cunhado de Lampião.
"Em cada morro uma história diferente/Que a polícia mata gente inocente/" - Comum sobre guetos, favelas, e periferia, o abuso policial, em conjunto com a miséria e marginalização, resulta nisso: - "E quem era inocente hoje já virou bandido/Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido!"

"Se der pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostrar por que os pobres não tem pão, me chamam de comunista e subversivo." (Dom Hélder Câmara)

“Banditismo por pura maldade!/” - Ai está o “mau”, a violência humana, citada no Rosa dos Ventos. - “Banditismo por necessidade.../Banditismo por uma questão de classe!” - Neste último verso, Chico revela tamanho flagelo do homem, pois para este ser “social’, ou seja, pertencer a alguma classe, nem que seja a mais baixa, ele tem que tirar o que é dos outros para si.

"Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come." (Josué de Castro, Geografia da Fome, de 1980) - Esta é uma boa citação para ilustrar tudo aquilo que é cantado na Banditismo Por Uma Questão de Classe, que mostra, repetidamente, as várias faces de uma mesma pobreza. Quando digo repetidamente, quero dizer que Chico, ao que me parece, repete os versos dessa música, e d'outras, não só para que a mensagem chegue até você, mas que você a decore, que você a grave, que você a cante.


Centro da Cidade do Recife, à noite.

Agora, falando em repetição, vamos para Rios, Pontes, e Overdrives!


Victor Mauricio Borba

terça-feira, 18 de março de 2014

Eu Quero Ser Jogador

A mídia nos vende que nós somos o país do futebol, somente do futebol, compramos essa ideia? Ué, compramos a Copa!


Agora, com tantos jogadores que recebem milhões, que são fortes e saudáveis, que geralmente vem de uma origem menos abastada, e que viram garotos propaganda de marcas famosas no mundo inteiro, pergunto: como algum garotinho não iria querer ser um jogador de futebol quando crescer?




Tudo bem, que o futebol é uma ótima ferramenta para desenvolver o jovem, tanto fisicamente, quanto mentalmente, já que, além de um esporte, ele também é muito usado em programas de organizações não governamentais. Mas, sem exceção, toda semana há pelo menos uma entrevista com algum jogador de futebol na TV, como se eles fossem astros de cinema. Por quer não querer ser engenheiro, médico, ou advogado, meu filho? 


Em resposta, há outras perguntas: quantos médicos são famosos pelo nome? Quantos advogados? E quantos engenheiros? A educação é a chave sim, mas enquanto a mídia persuadir o jovem você acha mesmo que teremos mais, e novas, escolhas para o futuro?


Não estou querendo culpar só a mídia, a mídia faz o papel dela, ela se alicerça de nossa própria cultura para nos oferecer seus conteúdos, tal como é o governo. Eh, é difícil pensar que somos nós os culpados, de certa forma.


Mas, o que é que faz com que o brasileiro se ligue tanto ao futebol? Em que momento da história criou-se tremenda conexão? Particularmente, não sei o porquê, mas não faria mal perguntar para os primeiros cartolas...



Victor Mauricio Borba

sábado, 15 de março de 2014

O Sábio do Reino

Ariano Suassuna é, antes de mais nada, um sábio, um sábio em um reino encantado, um adorador de mentirosos, palhaços, e doidos, um revigorante de reis, senhores, e cavaleiros.


Sim, mas vamos lá, por onde começar ao falar de Ariano? Bem, o título do post é bem sugestivo, mas não é muito degustativo, por assim dizer. Ariano é, mais ou menos, aquilo queremos ser, é toda a grandeza de uma alma inteligentíssima condensada num espaço nosso, é toda a vontade erudita numa representação regional, é Ariano.


Sábio para mim não é aquele que sabe tudo, é aquele que, com eloquência, consegue dialogar de frente com qualquer um: é aquele que recebe o mais formal, e estudado, doutor, e aquele que apresenta o mais astuto, e ignorante, matuto.



Nesta série, Folhetos Eruditos, vou relatar pormenores de suas maiores obras, um apanhado quase geral, que talvez, faça você se deliciar com o que reconhece e esbugalhar os olhos sobre aquilo que desconhecia.



Um primeiro pormenor que tenho a coragem de relatar, e para o qual atentei muito, é um detalhe entre o próprio Ariano Suassuna e o seu personagem D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna: para Quaderna, o Decifrador, as duas figuras armoriais condizentes com a sua nobreza eram a onça castanha e o veado-macho, "suçuarana" é um outro nome para "onça-parda", e, de acordo com o Dicionário Tupy de Gonçalves Dias, de 1858, "çuaçu" ou "suhá assú" significa "veado" no tupi, coincidência?


Então, vamos começar nos debruçando sobre a sua obra mais conhecida? Afiem as línguas, abram os sorrisos, e compadeçam das mazelas e dos pecadores, aí vem O Auto da Compadecida!

Victor Mauricio Borba

Monólogo ao Pé do Ouvido

Monólogo ao Pé do Ouvido + Banditismo por Uma Questão de Classe

{Recomenda-se ler [o post] e ouvir [a música] ao mesmo tempo}


"Modernizar o passado/É uma evolução musical..." - Chico e todos os outros que ajudaram a criar o manguebeat, tiveram a brilhante ideia de unir elementos do rock, da música eletrônica, com batidas regionais, tais como o coco e o maracatu. - "Cadê as notas que estavam aqui?/Não preciso delas!/Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos..." - Esse verso é uma resposta clara a música erudita, aqui Chico diz que não é preciso de notas, nem de partituras, afinal, Chico não as "usava".

Chico Science e Nação Zumbi
"O medo dá origem ao mal/O homem coletivo sente a necessidade de lutar..." - Aqui uma (talvez) clara declaração sobre a luta de classes (comunismo), ou somente um mensagem democrática. - "O orgulho, a arrogância, a glória,/Enchem a imaginação de domínio..." - Eclesiastes 1:2: Vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade... (A Bíblia) - "São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade...".

"Melhor morrer de pé do que viver de joelhos!" (Célebre frase de Zapata)
Viva a Zapata!/ - Zapata, Emiliano, revolucionário e herói mexicano, que lutou pela Reforma Agrária no México. - Viva a Sandino!/ - Sandino, Augusto César, revolucionário e rebelde nicaraguense, que lutou contra a presença estadunidense no seu país. - Viva a Zumbi!/ - Zumbi dos Palmares, o último líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra, contra a escravidão, no Brasil. - Antônio Conselheiro!/ - O Peregrino, Antônio Vicente Mendes Maciel, líder e profeta do sertão nordestino, que uniu milhares de pessoas em Canudos, a espera do retorno de Dom Sebastião I.

Huey Newton e Bobby Seale, chefes do partido radical dos Panteras Negras
Todos os Panteras Negras! - Black Panther Party era um partido político estadunidense, criado por uma militância que patrulhava as ações policiais nos guetos negros, e que defendia revolucionariamente a luta contra o racismo nos EUA. - Lampião, sua imagem e semelhança/ - Virgulino Ferreira da Silva, foi uma das figuras mais controvérsias da história nordeste, em que em dado momento foi heroico, numa espécie de Robin Hood, e noutra foi bandido, que assassinou, e saqueio de, inocentes; o mais famoso dos cangaceiros. - Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia...".

A música Monólogo ao Pé do Ouvido é como um "prólogo" do Lama ao Caos, como um estreito corredor por onde se abre as ideias revolucionárias do manguebeat, um encontro entre revoltas políticas e revoltas musicais. O Monólogo é um "chamado", um convite solitário sobre um beat de fundo, uma batida eletrônica de aviso, um aviso de que algo começa a caminhar, através do seu ouvido, em direção a sua mente.

Lampião e seu bando, os cangaceiros mais temíveis que existiram.


Agora, vamos para Banditismo Por Uma Questão de Classe!


Victor Mauricio Borba

Rosa do Ventos

Sinceramente, você acha mesmo que o mundo é divido entre o "bem" e o "mal"? O conceito sobre os dois lados da moeda é um transtorno apelativo, construído a partir de religiões maniqueístas, e que seduz o indivíduo a um pensamento moral incorruptível. Por mais que tais estórias tentem "educar" as pessoas, principalmente os jovens, para que estes trilhem os caminhos corretos, a sociedade, em que estes se inserem, corre abertamente, às avessas.

Na série Game of Thrones, o perspicaz anão Tyrion (Peter Dinklage), em dados momentos, ora se comporta contra,  ora se posiciona a favor de colocar algum tipo de moral nos Sete Reinos.
Então quando a pessoa aceita que as coisas "não são bem assim", ela pode vir a negar a existência de um "mal", mas o problema é que existe o "mau", uma violência humana, um mistério oculto, a tendência que leva as pessoas a cometerem crimes. O que realmente incomoda é a vontade da maioria de querer provar uma luta constante entre os dois, entre o "bom" e o "mau", e o que talvez poucas pessoas enxerguem é que isto está intrinsecamente ligado a demarcações geográficas.
O Yin-Yang
Se há o Sul, existe o Norte, e eles são tão diferentes como ideologias opostas. Por haver o Leste, o Oeste deve temê-lo! Assim, é como se cada pessoa tivesse que ser partida em dois, como o yin-yang, porém esta filosofia oriental já classifica essa premissa como mentira, pois nela cada pessoa tem um pouco dois dois, diferente da filosofia ocidental, medieval, em que os bons merecem a glória eterna e os maus já têm um poltrona reservada no inferno.
Figura do livro A Divina Comédia, de Dante Allighiere, de 1555.
E, caso não tenham percebido, só essa divisão entre ideias orientais e ocidentais já são apresentadas como dois caminhos opostos. Essa visão é recalcada e nos cega o horizonte, pois, se assim for, sempre um lado estará nós e do outro o "inimigo".
Capa do Livro Para Além do Bem e do Mal, de Frederich W. Nietzsche, de 1886.
Alguns filósofos modernos, em especial Nietzsche, abolem esse estigma bipolar, porém, eles também estão condicionados a isso, pois, envolvidos em circunstâncias de pensadores visionários, conflitam com os filósofos antigos, um embate entre passado e presente. Sempre irão existir aqueles que se conformam com o mundo presente e os que não, transformando cada um em um lado da moeda, e, mais uma vez, cada lado acusará o outro de inimigo.

No filme Clube da Luta, de 1999, o personagem Tyler Durden (Brad Pitty) começa a assumir um papel de instrutor do protagonista, revelando uma face destruidora e redentora, sendo um anti-herói.
Todo esse campo provém do entendimento da alienação, uma pessoa tem para ela uma verdade que é só sua, essa sua verdade pode persuadir outras pessoas, para que elas sigam seu modo de viver por livre e espontânea vontade, mas também, às avessas disso, ela pode querer colocar a verdade que ela acredita à força na cabeça das pessoas.

Possa ser que quem impõe à força suas ideias seja tratado como inimigo, enquanto o que deturpa o pensamento possa ser tratado como mestre, ou vice-versa. O certo é que cada um tenha seu próprio pensamento, e, unindo tais pensamentos possa se compor uma verdade, e não tentá-la vender para iludir ou manipular as pessoas que tenham pensamentos diferentes. As esferas opostas podem ser destronadas pelos pensamentos próprios de cada um, Tolstói estava certo quando disse que as grandes mudanças começam dentro das pessoas, as pessoas devem criar seus próprios princípios, e não seguir o oriente ou o ocidente, nem o norte, nem o sul, elas devem seguir seus próprios modos de agir, para que assim se formem novos conceitos, e esses conceitos entrem em desacordos com novas antíteses, contudo ao invés de construir uma luta que carregaria séculos da humanidade em busca de um única resolução, vamos encontrar pequenas sínteses.

E, para isso, temos a maior prova da desconstrução do "mau" geográfico, a Rosa dos Ventos, pois, quanto mais o tempo passa, mais se descobre novas direções.







Victor Mauricio Borba

quinta-feira, 13 de março de 2014

Os Caminhos da Mudança

Sinceramente, a maioria das pessoas vive uma vida medíocre, uma vida pacata, quase vazia, pois, é para isso que existe a arte. Na arte, as pessoas extravasam criando ou consumindo sentimentos e emoções forjadas ou retratadas; na arte as pessoas são livres para viver suas fantasias, seus desejos mais vorazes, e seus segredos mais escondidos.
No filme A Vida Secreta de Walter Mitty, de 2013, o protagonista (Ben Stiller) parte da sua vida cotidiana para uma vida cheia de aventuras em busca de uma única foto.
Isso parte do desejo de mudar as coisas, pois sempre as pessoas desejaram mudar o mundo, porém nunca se deram conta, ou já quem sabe, da origem desse desejo. Tal aspiração provém de uma realidade muito dura imposta a nós: desde que nascemos temos um lugar na sociedade, querendo ou não, quando ainda bebês já somos indivíduos com lugares impostos de uma forma ou de outra, ante as nossas classes sociais. Não estou querendo ser determinista como Ratzel, na verdade sou mais o contrário, mas a questão é que, a partir do nosso nascimento, não podemos mais nos desgrudar da alcateia.
No filme Na Natureza Selvagem, de 2007, um jovem (Emile Hirsch) foge da sua família e da sociedade capitalista em que vive, em busca da verdadeira liberdade, em meio à natureza.
Nós somos lobos, somos criados como lobos, para que quando cresçamos estejamos fortes para enfrentar a sociedade, pois aqueles que são criados como cães logo são destroçados pelo sistema. Assim, querendo ou não, os lobos devem andar em alcateias, pois todos nós temos alcateias, sejam grandes, tal como a nação, ou pequenas, tal como a nossa família. Os lobos que vivem solitários, ambiciosos, longe da alcateia, morrem mais facilmente, os filósofos talvez possam ser um exemplo disso, enquanto todos seguem o senso comum, os filósofos questionam todos os parâmetros da vida, e desta dentro da sociedade; enquanto isso, a alcateia é vigorante em todo seu esplendor “eterno”.
Uma alcateia de lobos.
A ideia de que necessitamos do mundo, mas o mundo não necessita de nós, é muito dilacerante, causa-nos um desconforto, pois nós chegamos à insignificância pelo pensamento, tornamo-nos dispensáveis: até na família, pois a família vive sem um indivíduo, mas esse indivíduo não consegue viver, plenamente, sem a família. Daí nasce nossa sede, nosso desejo de que o mundo venha um dia precisar de nós, nossa vontade de que ele se transforme, de que melhore, depois da nossa existência. Mas, para mudar qualquer sociedade humana, só há dois caminhos, dois caminhos quase opostos: o Caminho da Palavra e o Caminho do Martelo.
Dois caminhos.
O Caminho do Martelo consiste no desejo de mudar o mundo para o povo, a luta pelo povo, para que assim o povo venha a precisar de você: em defesa de um grupo social, o indivíduo luta contra toda a massa, brutalmente mesmo, para que assim tome a coroa para si. E agora, sendo o “rei”, todo o seu reino precisa de você, tanto quanto você sempre precisou da sociedade.

Abdullah bin Abdulaziz Al-Saud - Rei da Arábia Saudita
O outro caminho, o Caminho da Palavra, é uma via mais egocêntrica: você luta para você, como a burguesia, para o seu benefício próprio, sem levantar a mão, e, quando você chega “sozinho” a glória, a sociedade lhe inveja e o cobiça, e, por isso, lhe entrega abertamente a coroa, o tornando líder do povo. O povo passa a não viver sem você ao lhe colocar no poder, tal como você não vive sem a massa.

Luís Inácio Lula da Silva - Ex-Presidente do Brasil
Os dois caminhos não são referentes a momentos sobre o tempo, pois hoje há Estados de Martelo, em que há um ditador ou rei como líder, e há Estados de Palavra, em que há um presidente ou um primeiro-ministro no poder.

Fidel Castro
Jesus de Nazaré
Também há exemplos históricos: Jesus foi um indivíduo que foi pelo Caminho da Palavra, com o seu ego, e com todos os seus atos milagrosos, ele quis mostrar que era Filho de Deus, e quando o povo o considerou Rei dos Judeus, foi lhe dado a coroa; enquanto Fidel foi pelo Caminho do Martelo, com sua luta pelo povo ele quis reivindicar uma vida justa, pegando em armas e matando outros homens para poder tirar a coroa, à força, para si, se tornando Presidente de Cuba.


Mas, mudar a sociedade não está diretamente ligado ao poder, o poder está aí na coroa, como um objetivo, uma junção do objeto com o motivo. Este objetivo vem da própria pessoa, vem da carne, e não está ligado diretamente a um dos caminhos, é percebido que, através da história e das obras literárias, esse simbolismo de caminhos é muito caracterizado pelo bem ou pelo mal, a vida não é maniqueísta. Não cabe a um escritor definir sua predileção de caminhos para que este seja certo ou aquele seja errado, cabe a todas as pessoas escolherem qual dos caminhos seguir, sabendo, é claro, que qualquer um dos dois pode levar tanto para a vitória quanto para o fracasso.

Victor Mauricio Borba